Política é crime?
14.06.2019
Doações tiveram candidaturas como destino final
Dentre as inúmeras ações criminosas praticadas pelos delatores do grupo J&F contra o país, uma volta a chamar a atenção. Em uma delação corrompida e ensaiada, destaca-se o enorme esforço que fizeram para colaborar com o movimento de criminalização indistinta da atividade política, pelo qual o Brasil já está pagando um alto preço.
Na busca desesperada pela manutenção dos incríveis benefícios de sua delação, Joesley Batista, réu confesso de mais de 200 crimes, resolve afirmar, dentre outros absurdos, que as doações oficiais feitas ao PSDB e a partidos da nossa coligação em 2014 eram, na verdade, compra de apoio político. Com base em tamanho disparate, na última semana foram bloqueados mais de R$ 100 milhões em minha conta pessoal. Isso mesmo os delatores tendo afirmado que “o Aécio nunca fez nada por nós”. Mesmo não havendo em meus 30 anos de vida pública qualquer ação em favor do grupo J&F.
Desnecessário dizer que jamais possuí esse valor astronômico. Na verdade, nunca tive saldo que correspondesse a 1% disso. Portanto, doações oficiais, devidamente registradas junto à Justiça Eleitoral, de uma hora para outra se transformaram em crime apenas porque o delator assim resolveu tratá-las, com o intuito de criar um falso ativo no seu balcão de negociação.
Esses recursos, como foi amplamente comprovado, tiveram como destino final dezenas de candidaturas em todo o país e diretórios estaduais e nacionais de nove diferentes partidos políticos. Nunca transitaram nas minhas contas. Nunca fui acusado de me beneficiar pessoalmente de nenhum centavo. Ainda assim, o pedido de bloqueio foi feito na minha conta pessoal.
Por analogia, é de se supor que possam vir a ser igualmente bloqueados, na conta pessoal da ex-presidente Dilma Rousseff, R$ 600 milhões referentes aos valores que os mesmos delatores dizem ter doado à coligação do PT no mesmo pleito.
Apesar de se tratar da coligação adversária, tal decisão, registro, seria igualmente injusta.
Por essa mesma lógica, milhares de candidatos que disputaram eleições dentro da lei, mesmo tendo suas contas aprovadas, podem, a qualquer momento, ser acusados de corrupção. Basta que isso interesse a algum delator e ao seu acordo.
Sentados no alto do trono de ouro da impunidade, fora do alcance da Justiça, os executivos da J&F apontam para políticos e escolhem quem “salvar” e quem “condenar” em função de seus interesses, da repercussão e do prêmio que possam alcançar. Apontam e escolhem. “Essa doação foi correta. Essa foi compra de apoio politico.” E, se alguém ousar pedir provas que sustentem tão grave acusação, ouvirá: “Ah, o politico em questão me disse que um dia, no futuro, poderia me ajudar”. Pronto. Está aí a “prova“ da propina.
Ou seja, a distinguir as doações apenas o sentido que, anos depois, em função da conveniência do momento, os delatores atribuem, arbitrariamente, a cada uma delas.
A aliança entre PSDB, DEM, PTB e Solidariedade é a mesma que se repete há várias eleições presidenciais. Antes e depois de 2014.
Um trecho do depoimento de Ricardo Saud, delator da J&F, referindo-se a doações ao Solidariedade, dá a medida da irresponsabilidade das acusações. “Mas o Solidariedade... não foi comprado, ...porque eles já vinham contra a Dilma, eles já iam automaticamente para o PSDB… mas… vamos falar que foi comprado também por 15 milhões…”. Ou sobre o DEM: “...o DEM também é mais ou menos igual ao Solidariedade, não precisava muito comprar…”.
Com a mesma tranquilidade com que respondo a questionamentos da Justiça sobre outras doações eleitorais, faço hoje esse desabafo porque a legítima busca da sociedade por justiça não pode ser manipulada por aqueles que se julgam acima da lei.
Por ironia, não existe em toda a delação uma acusação sequer contra mim por uso incorreto de recurso público. Na outra vertente, é incalculável o prejuízo que o grupo J&F causou aos brasileiros.
Alguns dados, apontados pela imprensa, são estarrecedores. Entre 2002 e 2013, a J&F recebeu quase R$ 13 bilhões de recursos do BNDES. O valor do acordo de leniência é outro presente para os delatores. Vão pagar R$ 10 bilhões em 25 anos. O valor a ser pago por ano equivaleria a um dia de receita do grupo.
Hoje, sabe-se que delatores, mesmo tendo omitido ilícitos, falseado informações e cometido crimes após o suspeito acordo de delação firmado com a Procuradoria-Geral da República, continuam impunes.
Do alto do trono de ouro, não faltam motivos para gargalhadas.
Por Aécio Neves
Deputado federal (PSDB-MG); ex-senador (2011-18), ex-governador de Minas Gerais (2003-10) e candidato à Presidência da República em 2014
Matéria originalmente publicada na Folha de São Paulo em 30/05/2019