Temperos mineiros: Terra das onças
22.08.2018
Vou te contar uma história das terras das onças, terra dos Lopes Cardoso, lá pras bandas de Diamantina. Era verão, como posso esquecer essas férias. Chovia toda tarde. Terra de garimpeiros, profissão do meu avô materno Aristides e de seu irmão, meu tio-avô Manoel Lopes, eles não sabiam que foram eles mesmos os mais lindos diamantes. Sol com chuva? Casamento da viúva! Algazarra dos primos que brincavam durante todo o dia. Corríamos pela enxurrada cristalina, areia fina entre os pequeninos dedos dos pés descalços... Areia fina brilhando... Corre a colocar peneiras cercando a água, quem sabe não pegávamos uma pedrinha que muito valia!? Doce infância.
O que vale é cada momento que passei junto a eles. Estou falando de Tijucal! Presidente Kubistchek. Terra das onças, fazendas mal assombradas pelos espíritos dos escravos que escondiam pedras furtadas; o sonho da liberdade um dia.
Contava, meu tio-avô Manoel Lopes, que estão todas lá, escondidas, debaixo da escora da entrada da casa principal. Jeito inteligente de esconder um furto. Nunca foram precisas. A liberdade veio com a morte e a fazenda, desde então, ninguém quer comprar. Os espíritos protegem seu tesouro escondido. “Passa para dentro menina”! “Chega de brincar e saia da rua”; chamava vovó Alzira, lá de dentro da casa pequena, fogão a lenha.
Esquentava água para meu banho na bacia. Lavava a alma. Eu não sabia. Depois ficava de pé na porta dos fundos, vigiando o quintal com seu grande pé de pêssego que soltava o caroço. - Ai Cida! Reclamava com minha irmã que penteava meus cabelos longos. - Reclama não, senão não vai ao forró do tio Toni. Aguentava todo puxão da escova mas não perdia essa farra. Cida era sempre a irmã escolhida para cuidar dos irmãos menores, durante estadia na casa dos parentes.
A noite tem cheiro de medo de onças, que na madrugada fria vinha nos terreiros das casas, arranhavam as portas de tábuas em busca de alimento, que tinha cheiro da carne perfumada dos bebês... Diziam que o choro atraia os animais. Penso, hoje, que o cheiro era das casas sim, com bebês. Partos sempre em casa, restos enterrados no quintal, como reza a crendice. - Vovó! Tô com medo, posso dormir com a senhora? - Se nao for para mexer muito, pode. - Me encolhia no canto da cama, mal respirava. - Já rezou? Se já, reza de novo comigo, dizia vovó Alzira, enquanto penteava seus longos cabelos prateado. Sorriso fácil! Para quem ficou viúva tão jovem e com filhos pequenos. Acordo com cócegas do sol no meu rosto que entram pelas frestas da janela. Esparramada na cama. O cheiro de café ralo de rapadura e fubá suado, era o convite para mais um dia de risos, abraços, alegria, cantoria e leite quente talhado com leite de mamão verde macho. Deixamos para tráz nossa avó lapidando seus cristais, era lindo de se vê e saudoso lembrar.
Frango com ora-pró-nóbis
Um frango caipira. Alho socado com sal, pimenta malagueta, óleo, corante (urucum). Um apanhado de ora-pró-nóbis, cortado em tiras grossas. O frango estando limpo, bom sapecar nas chamas para tirar qualquer penugem. Corte em pedaços, lavar bem em uma panela grande com água quente, coloque os pedaços para ferventar. Tire da água e tempere com alho socado em uma panela com óleo. Frite os pedaços, até dourar. Retire, deixando escorrer bem o óleo. Em uma panela de fundo grosso, ferro ou pedra, refogue com duas colheres de óleo, alho socado é um pouco de urucum, deixe dourar. Acrescente água o suficiente para cobrir os pedaços de frango e deixar ferver. Colocar os pedaços fritos. Tampar e deixar cozinhar. Acrescentar água quente se necessário. Deixe formar um caldo grosso. Cozido o frango, corrigir sal, acrescentar o ora-pró-nóbis, misturar um pouco e deixar cozinhar por 3 minutos sem tampar. O segredo do ora-pró-nóbis ficar verdinho, depois de cozido. Assim que colocar junto ao frango, não deixar de misturar os caldos. Se ficar somente por cima, escurecerá. Cheiro verde. Angu de fubá de moinho d'água para acompanhar. Pimenta também é minha dica para esse tempo frio.
Chef Eloísa Cardoso
Eloísa Cardoso - Chef de cozinha, resgate da tradicional culinária mineira, Membro da FGM (Frente Gastronomia Mineira)