NÊMESIS DA INFORMAÇÃO
11.02.2021
A informação, mensagem de dados sobre determinado evento, permite resolver problemas e tomar decisões, sendo a base do conhecimento. A desinformação gera ignorância e nos conduz a decisões equivocadas. O surgimento, nas últimas décadas, das redes de computadores criaram a sociedade da informação (Era da Informação).
Todos os conceitos fundamentais do mundo ocidental estão contemplados na mitologia grega, processo primordial de compreensão da realidade, que deu origem à filosofia. Nêmesis é a deusa que personifica os conceitos abstratos de equilíbrio e a vingança divina, quando este equilíbrio é rompido. A ideia que subjaz ao termo em grego é a de que o mundo é ordenado e deve obedecer a uma lei de harmonia. Atualmente, o termo significa algo que é exatamente o oposto de si mas que é também, de algum modo, muito semelhante a si. Assim, todo excesso gera o desequilíbrio e leva a seu oposto, à falta. O excesso de tratamento leva à doença; e o excesso de informação à desinformação.
Nos últimos séculos, a filosofia e a ciência separaram o conceito de verdade absoluta dos credos religiosos do conceito de verdade relativa, filtrada pela razão e pelas evidencias. A verdade é o problema. Muitos afirmam tê-la encontrado, e até matam e morrem por ela, e todos os sábios a procuram. Em Atenas, todos julgavam saber e Sócrates era o mais sábio justamente por saber que nada sabia. E foi morto por isso.
Mais recentemente, moldou-se um terceiro conceito de verdade: a pós-verdade. Este termo relaciona-se ou denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e às crenças pessoais. Ou seja, a preponderância das crenças e ideologias sobre a objetividade dos fatos. Hoje, o excesso infernal de informações, contaminado pelos vírus da pós-verdade, e seus derivados, as fake news (falsa informação), criam o fake knowledge (falso conhecimento) e dão origem à pandemia da desinformação. Por falta de tempo e de reflexão, nos desenfornamos sem saber.
Como consequência, a verdade (escudada na razão e evidencias) está perdendo importância no debate politico e a opinião pública está sendo moldada mais pelos apelos emocionais ou pelas convicções de cada um do que pela consistência dos fatos. O que vale é a mentira dita com emoção e convicção para realçar preconceitos e radicalizar posicionamentos. Nunca a informação foi tão acessível e ao mesmo tempo tão duvidosa. O desafio é selecionar a informação e refletir sobre seu significado. A maldição da deusa Nêmesis pela desinformação cai sobre a cabeça de milhões de brasileiros, condenando-os à servidão voluntária de políticos incompetentes e corruptos.
Hoje vivemos a pandemia da Covid-19, contaminada pela pandemia da desinformação. Nesta peste, as desinformações se elevam às alturas, enquanto corpos descem às sepulturas. Ou as mortes seriam apenas fake news? Nem a morte, o drama trágico maior de nossa existência, é poupada pela desinformação. Pandemia sobre pandemia, parece que a maldição abateu-se sobre nós.
Humanos, diferentemente dos animais (que vivem apenas no mundo real), vivem no mundo real e no mundo da ficção (o mundo das histórias que inventamos). Neste segundo mundo podemos prescindir da lógica e das evidências e criar boas ou más histórias, que moldam as ideias e ideologias que norteiam a civilização. As más histórias, que muitas vezes colocaram a Humanidade em crise, são justamente aquelas que distanciam-se mais da realidade da natureza e de nossa mente racional e naturalmente livre.
A vida em sociedade só pode ser digna em sistema politico compatível com nossa natureza gregária, racional e livre. Apesar das opiniões contrarias de Platão e Nietzsche, nada foi proposto melhor do que a democracia, o governo da coletividade, fundado na liberdade e igualdade. Mas como também o egoísmo faz parte de nossa natureza, a liberdade e a igualdade (a democracia) são duramente conquistadas e sempre estão em risco. Este risco é aumentado pela desinformação que contamina o rebanho de analfabetos funcionais, privados da imunidade propiciada pelo conhecimento.
O principal fator que determina a força da democracia é a base da pirâmide social ser formada por cidadãos bem educados, bem informados, que colocam no topo da pirâmide líderes com estas mesmas qualidades. Para gerar informação, conhecimento, devemos priorizar a educação. Mas nosso Ministério da Educação está em quarentena, paralisado, acometido pela pandemia da ignorância, transmitida por ministros “terraplanistas” (anticiência). O paradoxo da desinformação na Era da Informação nos retrocede à Idade Média. É à vingança da deusa Nêmesis.
A informação, filtrada pela razão e pela evidência, e expurgada dos ídolos da metafísica, permite a aquisição de conhecimento e tomada de decisão apropriada. Conhecimento é poder, liberta. Que Atenas, a deusa da sabedoria e protetora da cidade que gerou a democracia, nos dê discernimento para captar a informação verdadeira e defender a Democracia, e nos proteja da desinformação e, consequente, da maldição da deusa Nêmesis.
Dr. Sebastião Gusmão
Professor Titular de Neurocirurgia da Faculdade de Medicina da UFMG
Tel: (38) 3531-4016