São Gonçalo do Rio das Pedras: Preservação ou Transformação - Um alerta


11.10.2022

Em uma série de artigos sobre o Alto Jequitinhonha, publicada em 2018, esta coluna destacou o pequeno distrito histórico de São Gonçalo do Rio das Pedras, assentado na Estrada Real, entre Serro e Diamantina. Nesta edição, retornamos a este lugar privilegiado pela natureza, história e hospitalidade, mas, com outro foco.

Esta vilazinha do século XVIII, a 1.150 metros de altitude, é cenário vivo do Brasil colonial. Resistindo bravamente às pressões violentas e desumanizantes dos grandes centros urbanos, a comunidade leva a sério sua cultura ancestral. Os hábitos e costumes tradicionais mantém viva a missão de preservar sua história gravada com os próprios pés nas trilhas de pedra da Cordilheira do Espinhaço. A natureza, a paisagem urbana histórica, o silêncio, o ambiente de paz e a hospitalidade são seu grande patrimônio.

Arquitetura singela de antigo pouso de tropeiros, casinhas brancas em cal, telhados coloniais, ruas descalças ou com pedras brutas e uma rica cultura formam o ambiente mágico, que nos encanta.

Passear pelas ruelas desta vila é se transportar ao nosso passado da Minas colonial e se lembrar, nostalgicamente, da grandeza da simplicidade e da riqueza de uma vida calma, condições que estão se perdendo.

No pequeno centro histórico as pedras nas ruas, desconfortáveis para os carros, são para a comunidade precioso testemunho da sua história de tropas e do garimpo de ouro e diamante. Elas registram mãos dos antigos moradores de famílias tradicionais, que hoje tornam esta vila um lugar tão singular e fascinante para visitantes nacionais e estrangeiros.

Diferente de muitos destinos turísticos de pequeno porte no Brasil, em São Gonçalo a tradição local é respeitada e praticada. Pacata, mas cautelosa, a vila luta para manter vivo o espírito de preservação de sua paisagem natural, urbana, rural e seu modo de vida tradicional. Tudo isso, não só para fortalecer o turismo, como, principalmente, para orgulho e prazer da comunidade e de seus descendentes.

Os costumes e tradições locais conscientemente mantidos são o resultado do senso de cidadania que a comunidade possui. Também é preservada a delicadeza do convívio harmônico e respeitoso entre as pessoas. A hospitalidade é espontânea, desde o sorriso de um simples “bom dia”, até a profunda sabedoria dos anciãos e seus “causos”.

O silêncio é patrimônio

A comunidade valoriza o silêncio como parte de seu patrimônio. Longe de destinos barulhentos, em São Gonçalo ouve-se, tranquila e delicadamente, o passarinho, a siriema e os galos à distância.

Pousadas charmosas e aconchegantes, festivais de gastronomia, festas religiosas, cachoeiras no entorno, restaurantes e bares disputando a excelência da melhor cozinha regional, artesanato de capim, doces, vinhos, destilados de frutas, produtos que, de tão regionais e singulares, alcançam o universal, trazem riqueza, emprego e renda ao pequeno distrito.

Porém, é preciso dedicar um cuidado especial a este frágil patrimônio, que pode estar ameaçado. Por ser lindo e hospitaleiro, atrai visitante, movimenta a economia e arrebata o migrante de grandes centros urbanos, que busca qualidade de vida, como é o caso deste colunista, desde 1984. São pessoas que escolhem este lugar para morada definitiva, via de regra, se unindo à comunidade local e contribuindo para resguardar a magia desse ambiente, que um dia os encantou.

Mas, há um problema a ser analisado nesse cenário, que é o aumento surpreendente da população local, que vem ocorrendo nas pequenas comunidades turísticas e São Gonçalo não está isento deste perigo. A infeliz tendência é de degenerar para um inchaço populacional na área urbana arriscando descaracterizar todo um patrimônio cultural e urbano construído em três séculos.

O aumento do volume de migrantes, o turismo desequilibrado e até mesmo a especulação de grandes corporações podem trazer em suas bagagens hábitos e valores nefastos de periferias metropolitanas. Um dos perigos desse descontrole são as interferências na estética urbana histórica deste patrimônio cultural e paisagístico, com graves consequências para a sua sobrevivência como destino turístico, atividade que mais gera recursos para a comunidade.

O risco das intervenções na paisagem urbana é de se matar a “galinha dos ovos de ouro”, desta comunidade histórica. Com sua morte, esta vilazinha encantadora irá se descaracterizar e estará condenada a tornar mais um aglomerado urbano disforme, sem harmonia na paisagem urbana e artificialmente multicolorido, como são as desordenadas periferias, que todos nós reconhecemos como um dos graves problemas da urbanização no país. Cuidemos do nosso frágil patrimônio histórico, antes que ele acabe.

Paulo Queiroga

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