Era uma vez um Engenheiro Poeta - um Poeta Engenheiro


24.03.2025

A MEMÓRIA

“É contrária ao tempo.
Enquanto o tempo leva 
A vida embora como vento, 
A memória traz de volta 
O que, realmente, importa”

              (Adélia Prado)


MIGUEL FRANCISCO DA CUNHA SAFE - MIGUEL SAFE, nasceu em Conceição do Mato Dentro, aos 14.09.1947, filho do médico e político Jorge de Vasconcelos Safe e Diva Dayrell da Cunha Safe, quarto dos oito filhos do casal, além de Itagiba, filho adotivo. (1)

Casa de médico e político, alegria constante dos 6 meninos e 2 meninas, além da presença dos amigos, clientes e políticos.   

Em meio ao burburinho da casa, Miguel destaca-se pela introspecção, olhar atento, o que lhe valeu ser chamado, carinhosamente, de BICHO DE JUÍZO, pelo sábio Dr. Juvêncio Miranda, ambientalista pioneiro na terra.  

Curso primário no Grupo Escolar “DANIEL DE CARVALHO”, destacando-se como declamador na escola e no teatro. 

Curso secundário no Ginásio São Francisco, distante da cidade, onde os alunos (Miguel inclusive) iam a pé, até que o amigo Quinzinho Costa passa a levá-lo no caminhão, junto ao filho Otacílio.

Curso Científico, primeiro ano (1957), em Diamantina no Colégio Diamantinense, transferindo-se, ano seguinte, para o Colégio Municipal - BH, chegando, brilhantemente, ao Curso de Engenharia - UFMG/1972.

Assessor do Vereador Galba Magalhães Veloso, na Câmara Municipal de Belo Horizonte, 1967/71.

1971 - Conclui o Curso de Engenharia e trabalha no DR/MG.

Família Jorge Safe e o velho Jeep...
Fazenda da Cristina de Ana - 
Conceição do Mato Dentro 1955

Milton, Miguel (9 anos), Wagner, 
Dorothy e José Mário
Jardim da Prefeitura
Conceição do Mato Dentro 1957

Ao centro o casal,  
Maria do Carmo 
e Miguel

Aos 21 de julho de 1973, Miguel casa-se com 
Maria do Carmo Mata Machado, advindo os 
filhos: Jorge (médico – esposa Sabina e filhas 
Clara e Ana); Adriana (médica – filhas Janaína e 
Juliana); Miguel (sociólogo) e Stella (advogada).

Caminhada Desafiadora

Grande a diversidade de lugares por onde Miguel passou: Itabira, Amazonas Mineração AMSA S/A, Urucuia, Marabá no AMSA Pará (1977), onde trabalhou até a data de 1981/82, chegando a São Luiz do Maranhão, de onde foi transferido para Belo Horizonte, numa diversificação de lugares e trabalho, chegando, posteriormente, à VALE DO RIO DOCE/BH.

Trabalhou, incansavelmente, em inúmeras EMPRESAS. Aposentado, retorna à Vale do Rio Doce, atuando como ENGENHEIRO CONSULTOR, onde permaneceu até o falecimento aos 17/02/2025.

A notícia comove a terra de Conceição, que se manifesta na voz do Primeiro Mandatário do Município - Otacílio Costa Matos e pelo Vereador - Primeiro Secretário da Câmara Municipal, João Marcos Otoni Seabra de Souza.

Poeta

Eterno sonhador, escreve versos, publica o Livro URUBU SERENÔ (2007 – Conceição do Mato Dentro). Maria do Carmo Mata Machado Safe, faz a APRESENTAÇÃO do livro:

"Miguel e a cidade natal de Conceição do Mato Dentro têm uma identidade total.

 

A neblina que desce das altas serras e esconde e modifica os contornos da gota d’água nas folhas às águas dos poços, cachoeira, Cuiabá e Santo Antônio.

De ascendência libanesa, herdou dos “mascates” a coragem e a inquietude, não importando a distância e o inóspito dos caminhos. 

Engenheiro, foi pioneiro em obras do Urucuia e, no desafio da Amazônia,nos anos 70, em Carajás, quando nada lá havia, além das grandes jazidas, implantou as obras e a simplicidade, a tenacidade e a honestidade foram suas marcas.

O tempo não o modificou. 

A emoção, talvez, flua com mais densidade, profundidade. Essa a emoção que se apresenta em seus versos, seu registro do tempo, são o valor maior do seu olhar sobre a vida.”

Vou plantar meu quilombo na encosta do morro,
Angola pequena - semente de pátria -
onde os homens são livres por luta e opção.

Não me fascina a grandeza do engenho dos 
homens,
não me engana a ilusão de importância de 
nomes,
fui arrancado com fúria do peito da mãe,
fiz minh'alma cortada a fogo e chibata
quilombo da alma liberta, da raça forçada.

Extraído do livro Urubu Sereno – pág 28/29

Miguel desdobra-se no trabalho junto a Vale do Rio Doce, à família e, sempre, à terra de Conceição do Mato Dentro.

O Quilombo cresce e Miguel veste de verde o alto da serra. Não mais a despojada casa. 

Entrada do Quilombo

Quilombo coberto de verde - sempre o verde!

Gruta Nossa Senhora de Lourdes

Soberano, sentinela de dois séculos, o Santuário do Sr. Bom Jesus de Matozinhos, no alto da colina se faz altar.

Do alto do Quilombo,  vê-se a cidade despertar!

 

Violão Companheiro

Sonhos não envelhecem! Miguel, em muitos momentos, reencontra-se no toque do violão, que aprendeu com o José Cristiano Mestre TERECO, nos longes de 1961.

Voz e violão ecoaram nas noites de lua, junto aos amigos seresteiros, aliviando a saudade da terra querida.

1966 - Miguel e Wander são acolhidos na casa da irmã Dorothy e Sílvio Carneiro, para prosseguirem os estudos.

Violão, companheiro sempre perto, na voz dos dois irmãos. Miguel engabelava a tristeza e cantava com saudade da terra, do casarão, onde viveu até 1963, quando deixou a cidade e iniciou o curso científico em Diamantina. 

Velho casarão da família alongava-se quintal abaixo, cheio de árvores e frutas, alcançando o Córrego do Cuiabá, onde havia uma casinha para o moinho, uma pinguela estreita, difícil e perigosa passagem para entrar e ver moer o milho – aventura do menino audacioso e desbravador.

Waldemar Guerra, diariamente, ia ao moinho, onde o velho empregado Marcelino, surdo-mudo, moía o milho que o comerciante empacotava e levava nas costas até a sua venda.

O menino aprendeu cedo, o que é trabalho, desafios, coragem e seguir em frente.

Estrada - Velha Estrada

ENGENHEIRO DESTEMIDO / POETA - E vindas e idas constantes a Conceição, estrada de terra vermelha, pedregulhos, poeira e esperança – sempre a esperança do asfalto, sempre adiado.

2002 - Finalmente, o sonho centenário se realiza. Inauguração festiva do asfalto e, coincidentemente, dia 17/02, data de aniversário do Embaixador José Aparecido de Oliveira. 

A multidão canta o Hino de Conceição, e Miguel, surpreendendo os presentes, declama, de sua autoria, o poema ESTRADA.

Zé Aparecido abraça o poeta, aplaude e diz:

- “Bravo, Miguel! Um privilégio ter você aqui!”

Estrada
Miguel Safe

Navego em negra fita, em mar de morros, 
filigranada em ouros e neblinas, 
em longas linhas brancas, amarelas, 
na aquarela barroca de minha terra. 

É tudo um sonho, não pode ser verdade,
coisa que ouvi dos velhos, em menino, 
uma esperança herdada e adiada, 
estrada sempre, sempre estrada, nunca!

Talvez delírio de exausto viajante
que rompe as serras em saltos e atoleiros,
em névoa e pó, infinda trilha errante, 
com determinação e crença de um romeiro. 

A indomável natureza - fêmea no cio – 
se faz encantamento, aquieta o ventre. 
Faz de abismos, berço, colo macio
e acolhe, em sua entranha, o filho ausente.

Caiu o muro! É hora de ir e vir!
O coração de Minas está mais perto.
O oculto paraíso, em vale aberto,
surpreende o ser liberto – instante eterno.

Repiquem sinos, rompam as ronqueiras!
O tempo é novo, são novos os caminhos.
Estou em casa, bem junto de meu povo,
aos pés do Bom Jesus do Matosinhos. 

Conceição do Mato Dentro
15 de junho de 2002

A Vida - Fazenda do Mozart Picão

Miguel escreve seu último livro

Vida que corre, Miguel caminha pela cidade. E, aqui e ali, sempre, um amigo.

A sensibilidade do poeta foge da aridez do concreto, das ciências exatas e toca a infinitude das construções de mãos escravas.

Miguel, ávido da história, busca tesouros e encontra a centenária Fazenda Boa Vista do Mozart Soares de Paula e ergue o monumento na encosta do morro, ao lado do Quilombo, de onde se avista o santuário do Sr. Bom Jesus do Matozinhos e descortina Conceição. 

Mozart Picão conhece a grandeza do comprador (o artista do Quilombo) e abre fronteiras, entrega a Fazenda, e sabe da nobreza do poeta, escritor e construtor.

O tempo passa! Miguel encontra o velho amigo na varanda da casa, festejando seus 100 anos. 

Seu Mozart fala do desejo de ter sua vida dos 100 anos registrada. E lamenta: “Só falta o escritor”. 

Miguel fala alto:

- “Tragam papel e caneta!”

Dia após dia, Mozart conta a história da centenária vida, enquanto Miguel registra. 

Afetivas trocas: nova vida da velha fazenda, entregue ao Miguel; velho fazendeiro da antiga Fazenda, eterniza sua história, pelas mãos do escritor amigo, aos 23/03/2023.

FAMÍLIA DR JORGE V SAFE
De pé: da esquerda para a direita: Jorge Safe Jr., Diva (mãe)*, Rita Lúcia, Diva Dorothy, Wagner Fernando, Milton e Wander. 
Sentados: José Mário e Miguel*
* In memoriam


Miguel , 
Você deixa marcas inesquecíveis 
e viverá no nosso coração.
Na despedida, flores, música, violão e 
violino, e cantigas de que você gostava.


(1) Rita Lúcia, Diva Dorothy, Jorge Jr, Miguel Francisco, Wagner Fernando, Wander, Milton, José Mário e Itagiba
 

Autoria: Diva Dorothy Safe e Irmãos 

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