PÓS-VERDADE E AGONIA DA DEMOCRACIA


26.09.2018

Já foi dito: “A verdade vos salvará”. Mas o que é a verdade? Nos últimos séculos a filosofia e a ciência separaram progressivamente o conceito de verdade absoluta dos credos religiosos do conceito de verdade relativa, filtrada pela razão e pelas evidencias. 

Hoje, o relativismo domina e tornou-se mais difícil discernir o que é verdadeiro do que é falso. Moldou-se um terceiro conceito de verdade: a pós-verdade. Esse termo relaciona-se ou denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e à crenças pessoais. Ou seja, a preponderância das crenças e ideologias sobre a objetividade dos fatos. Como consequência a verdade (escudada na razão e evidencias) está perdendo importância no debate politico e a opinião pública está sendo moldada mais pelos apelos emocionais ou pelas convicções de cada um do que pela consistência dos fatos. O que importa é a retórica e a forma. Isso ficou bem evidente nas ultimas eleições presidenciais americana. As fake news confundem e manipulam os menos críticos. Nunca a informação foi tão acessível e ao mesmo tempo tão duvidosa.

Em breve teremos eleição presidencial num tempo particularmente conturbado de nossa história. E tudo indica que a verdade não nos salvará e que a pós-verdade nos afundará mais ainda na crise. Já temos em incubação os Trump tupiniquins manipulando a opinião pública com as bandeiras do radicalismo da direita e da esquerda. Parece que a forma de dizer, mais do que o conteúdo do que se diz, vai impactar a próxima eleição presidencial. 

O desastre do presidencialismo de coalisão das últimas décadas determinou o crescimento das ideologias extremistas.No momento atual, em consequência da crise de valores na política nacional, seus representantes conseguem, com discursos de conteúdo reacionário e superficial, serem os porta-vozes do medo da maioria, provocado pela insegurança social (crise econômica e criminalidade). 

Suas falas irreverentes, fortes, divertidas e agressivas contra todos cativam os jovens que absorvem com entusiasmo  a pós-verdade de seus discursos de ódio e frases vazias. Para seus simpatizantes eles têm a coragem de dizer a verdade, sem se preocupar com o politicamente correto. 

Como o conteúdo de suas falas pouco importa a seus seguidores, torna-se quase impossível desconstruir seus discursos. Os fatos reais de que eles são políticos medíocres com discursos vazios têm pouco efeito sobre seus simpatizantes. As evidencias dos fatos são pouco eficazes para combater a pós-verdade porque o conteúdo pouco importa.

Este mundo da pós-verdade coloca em risco a democracia. Antigamente as democracias sucumbiam com tanques nas ruas e presidentes depostos ou assassinados. Hoje tudo ocorre de forma mais sutil e dentro da legalidade. A essência do sistema é eliminada sem que os procedimentos legais sejam desrespeitados. As democracias morrem hoje pelas mãos de presidentes autoritários eleitos pela população e que destroem as democracias usando as instituições democráticas. Na América Latina não há mais golpes, mas a democracia continua morrendo por meio de líderes eleitos.

O enorme escândalo de corrupção e a crise financeira que vivemos levaram à perda de confiança dos brasileiros nos politicos e consequente ameaça da democracia. A convicção dos cidadãos de que todos os políticos são corruptos os tornam mais propensos a votar em um outsider, populista e autoritário, com discurso demagogo anticorrupção. O desafio atual é voltar à verdade filtrada pela razão e pelas evidencias dos fatos. Parece difícil na crise moral e educacional que enfrentamos. Mas somente a verdade com base na realidade dos fatos poderá nos salvar.

Dr. Sebastião Gusmão

Professor Titular de Neurocirurgia da Faculdade de Medicina da UFMG

Tel: (38) 3531-4016

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