ESTILO DE VIDA E SAÚDE


16.05.2018

A interação da herança genética com o estilo de vida determina a saúde e as doenças. Nosso corpo foi moldado pela evolução (mudança ao longo do tempo) através da seleção natural. As variações que favorecem a adaptação ao meio ambiente são selecionadas e transmitidas aos descendentes.

Há sete milhões de anos, macacos que viviam em arvores e alimentavam-se de frutas (semelhantes ao chipanzé) evoluíram para ser bípedes eretos e comer vários alimentos (hominídeos). Há 2,5 milhões de anos, surge o gênero homo, cujo cérebro maior permitiu a vida de caçador-coletor e a construção de instrumentos de pedra (início do período paleolítico). Há 70 mil anos, seres humanos modernos desenvolveram capacidades cognitivas especiais (revolução cognitiva) que possibilitaram o surgimento da cultura (conhecimento).

Antes a evolução era apenas biológica. Hoje a evolução cultural é mais poderosa e rápida que a biológica. Nos últimos anos, duas transformações culturais foram de grande importância para o corpo humano: a revolução agrícola, há 10 mil anos, que substituiu a caça e a coleta (início do período neolítico) e a revolução industrial, há 200 anos, quando máquinas passaram a substituir o trabalho humano.

A agricultura  e a industrialização alteraram radicalmente o ambiente e modo de vida. Os modernos métodos industriais permitem cultivar e manufaturar de forma mais barata e eficiente comida com alto nível calórico e baixo teor nutritivo. As várias invenções tecnológicas (inclusive a atual revolução digital) poupam nosso esforço físico e nos levam ao sedentarismo. Passamos a ter um corpo paleolítico de caçador-coletor, moldado pela evolução em milhões de anos, num mundo moderno (agrícola e industrial), criado nos últimos dez mil anos.

Muitas características do corpo humano eram adaptativas no ambiente para o qual evoluímos, mas tornaram-se mal adaptativas no ambiente moderno criado pela cultura, gerando as doenças de desajuste (diabetes tipo 2, hipertensão arterial, acidentes vasculares cerebrais, doenças metabólicas, obesidade, caries, lombalgia,  alguns canceres, etc.). Estas doenças têm origem na transição da coleta e da caça para a agricultura e industrialização, ou seja, são desencadeadas ou intensificadas por estilos de vida moderno.

A seleção natural adaptou o corpo humano dos caçadores-coletores, durante os últimos milhões de anos, para passar boa parte do dia percorrendo grandes distâncias à procura de uma dieta variada de frutas, tubérculos, carne de caça, castanhas e outros alimentos ricos em fibras mas com baixo teor calórico. Com este mesmo corpo, hoje passamos várias horas do dia sentados em casa, no trabalho ou em um meio de transporte, e consumimos principalmente animais domesticados e plantas cultivadas (especialmente trigo, arroz, milho e batata), ricas em calorias e pobres em vitaminas, fibras, proteínas e sais minerais.

Um indivíduo pode ter os genes que o predispõe a ter diabetes tipo 2, mas os ancestrais distantes de quem herdou estes mesmos genes provavelmente não sofriam dessa doença. A interação gene-ambiente é responsável pela diferença. Seria difícil para um caçador-coletor paleolítico desenvolver diabetes, pois era obrigado a passar grande parte do dia caminhando à procura de caças e vegetais de baixo teor calórico. Por outro lado, o sedentarismo associado à ingestão constante de alimentos repletos de açúcar e desprovidos de fibras permite a manifestação do gene do diabetes. Diabetes tipo 2 e doenças cardiovasculares são raras em populações atuais de caçadores-coletores. O aumento dos níveis de atividade física e dieta podem reverter o diabetes tipo 2 no início.

A tendência geral de ansiar por alimentos gordos e descansar sempre que possível não tem valor adaptativo nas condições atuais de abundância, mas era muito vantajosa no passado, quando os alimentos eram mais escassos e menos calóricos e precisava ser muito ativo fisicamente. A maior parte das dietas e programas de exercícios físicos fracassa porque é muito difícil bloquear  instintos primários adaptativos, gravados em nossos genes há milhares de anos, de ingerir alimentos calóricos e hábitos sedentários.

As doenças resultam de interação gene-ambiente, e como não podemos mudar nossos genes, a maneira mais eficaz de evitar doenças de desajuste é reconstruir nossos ambientes. Na quase totalidade de nossa história vivemos como caçadores-coletores. Ainda hoje nosso corpo e nossa mente são adaptados para uma vida de caça e coleta, o ambiente que nos moldou. Somos primatas bípedes que anseiam por açúcar, sal, gordura e amido, mas ainda estamos adaptados a comer uma dieta diversificada de frutas fibrosas, legumes, tubérculos e carne magra. Gostamos de descansar e relaxar e passamos nossos dias dentro de casa sentados em cadeiras, olhando para livros e telas, mas nossos corpos ainda estão adaptados para andar grandes distancias por dia. Em consequência, milhões de pessoas sofrem de doenças de desajuste que eram raras ou desconhecidas. Podemos evitar ou reduzir estas doenças usando os corpos que herdamos da maneira como evoluíram para ser usados. O fundamental é mudar o ambiente e o comportamento para promover saúde por meio de prevenção.

Um antigo provérbio chinês ensina que para viver com saúde devemos ter a cabeça fria, o estômago leve e os pés quentes. Afinal, a evolução nos moldou para viver em harmonia com a natureza e realizar caminhadas diárias à procura de alimentos de alto valor nutritivo e baixas calorias. O passado do corpo humano foi moldado pela evolução através da seleção natural, mas o futuro de seu corpo depende de como você o usa.

Dr. Sebastião Gusmão

Professor Titular de Neurocirurgia da Faculdade de Medicina da UFMG

Tel: (38) 3531-4016

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