Temperos mineiros: GUISADO AFRICANO


20.11.2018

Espia só, quem sobe a ladeira como a desfilar é a tal Chica da Silva e o Contratador João Fernandes de Oliveira. Sacudindo os ombros para as joias tilintar. Ela já tinha brilho próprio, mas gostava de se enfeitar. Com tantas moças casadoiras de família no Tijuco, ele foi logo enrabichar pela escrava parda; alforriada sim, mas escrava por parte de mãe. Dizem que o pai é um português que lhe deu nome e sobrenome Silva, por não ter procedência ou origem definida, como de costume entre os portugueses. "Origem tinha sim senhora, nasceu na Vila do Príncipe; pequena, brincava nas ruas de Milho Verde... onde cresceu. Já era diferente, sentia-se princesa, escrava mulata!

Sua mãe veio da Costa da Mina (hoje Benin e Nigéria), cresceu atrevida como ela só. Logo foi escrava do médico português, Manoel Pires Sardinha, com quem teve um filho, herdeiro, Simão Pires Sardinha, que até ficou amigo de Dom João Vl, depois participou da Inconfidência Mineira. Recebeu convite para jantar que Chica ofereceu... Ai meu Deus! Dizem que ela faz questão de servir banquetes, culinária crioula. Também gostava de dançar em volta da mesa farta. São iguarias sem fim, entra e sai de escravos, cada um com bandejas de quitutes diferentes. Dança Chica, ao som dos tambores e coreografias africanas. Ela estava no seu castelo e era rainha e gargalhava ao ver as expressões nos rostos assustados da sociedade, recato não tinha.

Contaram-me que ele a comprou, sabia? O ciúme do seu companheiro, dizem, levava Chica a fazer horrores: Uma manhã, servindo o café, o Contratador elogiou sorriso e tão brancos dentes da nova escrava. Na outra manhã, a pobre escrava servia o café sem um só dente. Chica havia ordenado que arrancassem todos, como lição para outras não se atreverem sorrirem para seu homem. Chica queria conhecer o mar e navegar, como toda alma mineira. João Fernandes fez construir um imenso lago e uma caravela para Chica agradar. Pobre Chica, princesa, tanta riqueza, tantos filhos com seu amado, 13 no total, não impediu a separação. Seu Contratador foi chamado pela Coroa Portuguesa, para retornar a Portugal, levando com ele os filhos homens, todos registrados como filhos e herdeiros

Chica da Silva, rainha solitária. Tanto ouro, diamantes e poder não trouxeram seu sorriso de volta e não houve compaixão de alforriar seus irmãos escravos. Morreu só a Rainha das Américas, como chegou a ser chamada. Virou mito, contribuindo com nossa terra, preservando a cultura e culinária. Ainda a vejo com os olhos no passado, subindo a saias, segurando-as na cintura, cabeça erguida, subindo a ladeira. Agora, só...

Moqueca ou guisado Africano 

Peixe surubi em posta. Corte em rodelas, 2 cebolas de cabeça, 1 pimentão, 2 tomates, 2 pimentas dedo de moça, coentro, salsinha e 2 bananas caturra verdes (cortadas 3 dedos de espessura) com casca, lascas de coco seco. Tempere o peixe com pouco sal. Em panela de barro, refogue alho e urucum; acrescentar cebola de cabeça . Coloque 1 vidro grande de leite de coco (se possível fazer o leite de coco caseiro). Coloque as postas e o restante de ingredientes, ajeitando bananas entre as postas. Tampe e deixe cozinhar. Corrija o sal. Sirva com arroz branco.

Dica: fazer uma farofa com farinha de mandioca reforçada em manteiga, pimenta dedo de moça e um pouco do caldo do guisado.

Chef Eloísa Cardoso

Eloísa Cardoso - Chef de cozinha, resgate da tradicional culinária mineira, Membro da FGM (Frente Gastronomia Mineira)

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